Transmutados- O Desconhecido de Vanessa Tourinho Capítulo II parte 2

A última parte do Capítulo II 
ai meu core .. perceberam quanta emoção existente..

***
Fiquei dois dias sem falar com Fernanda. Estava ocupada demais com a universidade, e andava dormindo mal, já que meu bloqueio aos pensamentos vinha falhando sempre que eu ficava nervosa.
Numa manhã, quando saí da universidade, fiquei algum tempo sentada em uma praça, não muito longe dali. Minha mente estava livre. Meus pensamentos sem controle. E tudo tinha sido desencadeado desde que eu perdera meu diário. A preocupação de imaginar onde e com quem estava meu caderno recheado de confissões, me enlouquecia.
“É verdade, Luisa? Você pode me escutar?”
Olhei assustada ao redor, ao captar aquele pensamento forte e intenso. E vi o olhar de Fernanda pousado em mim.
“Você pode me escutar?”, ela insistiu no pensamento.
 Na mão de Fernanda estava meu diário. Pus-me de pé. Senti meu coração palpitar. Ela sabia. Tinha descoberto meu segredo e não estava nada feliz. Lágrimas vieram aos meus olhos, naquele momento de fraqueza.
— Me diz, Luisa, me diz que tudo o que está escrito aqui é mentira. — Fernanda pediu, assim que se  determinada.
— Fê, e... eu... eu ia te contar, mas...
— Isso não pode ser verdade, essas coisas de “poderes” são irreais, coisas de cinema.
Calei-me. Fernanda estava confusa. Tão assustada quanto eu. Mas tinha medo. Medo de mim.
— Fê, eu não mudei, O.K.? E... eu... eu não escolhi isso só aconteceu, e eu ia te contar, mas...
Fernanda me pediu silêncio com um gesto nervoso, trêmulo, e abriu meu diário. Leu um trecho do que eu havia escrito sobre ela.
“Fernanda está confusa. Dividida entre seu ciúme e a confiança que deposita em seu namorado. Alexandre provou que a ama, mas a nova colega de classe está deixando Fernanda louca. Mas ele a ama tanto. Queria poder fazer algo para ajudar, mas não posso me expor.”
— Fernanda me olhou séria. — Sabe o que me assusta? Você saber tanto sobre mim, me entender mais do que eu mesma.
— Eu posso ler seus pensamentos, Fernanda. É claro que eu entendo o que você sente. — me defendi, já sabendo qual caminho aquela conversa seguiria. — Além do mais sou sua amiga, te conheço o suficiente para poder tirar conclusões do que você sente.
— Minha amiga, sério mesmo, Luisa? Quem me garante que todo esse seu conhecimento sobre mim não foi usado para me manipular?
— Deixe de idiotices, Fernanda! — gritei irritada. — Te manipular para quê? Quem manipula quer algo em troca, e eu nunca lhe pedi dinheiro, nem que fizesse nada por mim. Só sua amizade me interessou!
— Tá, mas e essa parte de “não posso me expor”? O que você quer dizer com isso? Porque isso me parece ser algo bem perigoso.
— Fernanda, para! Você me conhece há quase cinco anos! Você conhece minha vida, nunca lhe escondi nada e...
— Conheço você há quase cinco anos, sim! Conheço sua vida, sim, mas o que você me contou. E se tudo foi mentira? Você me escondeu algo! Escondeu que pode ler pensamentos! Você tem informações sobre muitas pessoas nesse caderno, Luisa, coisas muito íntimas até! Para que tudo isso? O que você pretende com tantas informações?
— Luisa?
Surpresas, Fernanda e eu olhamos para o lado. Era Rebeca, outra amiga minha. Amiga que não gostava nada de Fernanda, e vice-versa.
Arfei exausta com aquela discussão sem sentido e cobri o rosto com as mãos, tentando encontrar forças para uma próxima rodada, pois Rebeca tinha escutado o suficiente de minha conversa com Fernanda, para querer dar opinião.
— Luisa, vocês estão ensaiando para alguma peça ou algo assim? — Rebeca quis saber, ainda na dúvida.
— Quer saber, Luisa. — Fernanda disse olhando para mim, irritada, ignorando a presença de Rebeca. — Afaste-se de mim, de minha família, do meu namorado, e de meus amigos. Se algo acontecer com alguém que conheço, vou à polícia e te denuncio. Tenho cópias desse seu caderninho.
— Fernanda, você está exagerando! — disse chocada. — Eu continuo sendo a Luisa de sempre. Se você leu com atenção o diário, deve entender que minha mudança é recente. Que eu nunca desejei isso, e que...
— Tanto faz, Luisa! — Fernanda rebateu. — Você vai continuar sendo esta aberração que é. Você diz que, segundo o que sabe, seus pais morreram em um acidente, e por isso foi parar no orfanato, mas isso deve ser uma enorme. Você deve ser algum experimento que deu errado, uma cobaia de laboratório e deve ser por isso que você não tem pais. Mantenha-se afastada de mim, é tudo o que eu peço.
Jogando o caderno no chão, Fernanda me deu às costas e partiu. Rebeca continuou ali, calada, tentando assimilar o que estava acontecendo.
Um experimento que deu errado, dissera Fernanda. Senti uma pontada no coração. Ele tinha se partido. Meus pais, a família que eu nunca tive era meu ponto fraco e Fernanda sabia daquilo. Eu poderia mesmo ser um experimento. Como eu poderia saber? Mas nunca faria mal a meus amigos, tinha absoluta certeza.
— Luisa? Tudo o que sua amiga disse é verdade?
Sequei o rosto com as mãos e olhei para Rebeca.
— Sim. Eu leio os pensamentos das pessoas, Rebeca. Inclusive o seu. 3471 é o número que você está pensando. E não, eu não sou o monstro que Fernanda descreveu. Continuo sendo a mesma Luisa de sempre.
Abaixei-me e peguei o diário caído no chão.
— Leia. — disse entregando o caderno a ela. — E depois queime isso, ou faça o que achar melhor, só não entregue a ninguém, Rebeca.

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