Transmutados- O Desconhecido de Vanessa Tourinho Prólogo e Capítulo I
Como reativamos o quadro "Fala Escritor" .. vamos conhecer os escritores que apoiamos aqui no blog, e um deles é minha amada e amiga Vanessa Tourinha, escritora de uma das obras que mais me fez infarta (kkkkk) e ela está disponibilizando os dois primeiros capítulos para você surtar um pouco com essa história tão cheia de emoção, drama e romance ..
Fica a Dica dessa leitura maravilhosa ..
I- LEMBRANÇAS
Fica a Dica dessa leitura maravilhosa ..
O quanto é
estranho desejar desesperadamente um homem desconhecido? Eu vivia me
perguntando, mas desistia da reflexão quando a agonia tornava-se mais forte que
meus pensamentos. E então, quando o vi pela primeira vez, soube naquele
instante que não importava o quanto fosse um estranho. Ele me pertencia, e eu a
ele.
Antes de
vê-lo, não fazia sentido a bonita e romantizada ideia de nascer predestinada a
um parceiro ideal. No entanto, ver minha alma-gêmea tão perto despertava uma
estranha eletricidade em meu corpo, um impulso, um desejo forte que escapava ao
meu controle. Assim que sua pele tocou a minha, senti-me envenenada. Soube
então que não havia como fugir daquele homem, ele seria parte da minha vida, do
meu destino, e por mais que minha racionalidade se manifestasse contra essa
ilusão, meus sentimentos a silenciavam, a afogavam, na esperança de que eu
seria feliz.
Para
sempre.
“Deus
não joga dados.”
[Albert
Einstein]
Quando se tratam de lembranças
estranhas, assustadoras, confusas e inimagináveis, acredite, eu guardo um
punhado delas.
Talvez seja destino ou sina, não
importa como se nomeia, mas minha vida não pode ser descrita como normal, longe
disso. A normalidade cotidiana é apenas uma utopia criada como rota de fuga de
uma vida anormal, ou rara, se isso explica melhor.
Vinte e um de outubro de dois mil e
cinco, eu acabara de completar dezoito anos, acabara de ganhar liberdade, um
futuro inesperado.
Entenda, eu nunca conheci meus pais
biológicos, sou órfã e vivi todos os anos de minha vida — até os dezoito, na
verdade —, em um orfanato, na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo.
Minha certidão de nascimento diz que
sou natural de Natal, Rio Grande do Norte, mas como fui parar em São Paulo é
uma questão que só Deus sabe.
Com dezoito anos, considerada já
maior de idade, tive de sair do orfanato. Não foi fácil aceitar e administrar
tal responsabilidade, afinal, lá eu vivia sempre rodeada de pessoas. Sair do
que eu considerava um lar para morar sozinha me parecia terrivelmente
assustador.
Não tenho do que reclamar. Onde
cresci, recebi uma ótima educação e conheci pessoas que jamais esquecerei. Uma
delas foi dona Ana, minha madrinha, mãe de coração. Ela não me adotou, mas
cuidou de mim como se eu fosse sua própria filha. Graças a ela, tive onde morar,
assim que saí do orfanato.
Por sorte, ou por mérito, eu era
bolsista integral em uma universidade particular de Ribeirão Preto, e isso me
deixava aliviada, porque com minhas boas notas logo descobri uma ótima maneira
de ganhar dinheiro: fazer o trabalho de outros alunos. E não me importava em
trabalhar assim. Ganhava dinheiro e mais conhecimento! Também trabalhava, às
vezes, como ajudante de um professor, mas isso não me rendeu dinheiro algum, só
uma boa amizade, e a promessa de que quando eu me formasse, teria um emprego
garantido dentro da própria universidade, como monitora. Isso me dava a quase
certeza de que minha vida, fora do orfanato, não seria tão dura. Pelo menos em
se tratando de me manter financeiramente.
Ainda me lembro bem do dia em que tudo
aconteceu. Era uma noite fria, não muito comum para a época. Chovia e eu estava
entre um sono leve e a lucidez. Foi quando, de repente, vozes — que a mim não
me pareciam estranhas —, começaram a falar e descrever coisas desconexas em
minha mente. Dentre essas vozes, reconheci a primeira sem muita dificuldade,
depois, uma após a outra, foi se tornando clara para mim. Consegui então
identificar a quem pertenciam, mas continuei sem compreender o que queriam
dizer e o que estava acontecendo comigo. Entrei em pânico com o furor que
causaram. Tudo parecia ser um sonho ruim. No entanto, quando abri meus olhos,
as vozes continuaram ali, em minha cabeça. Comecei a acreditar que ainda estava
dormindo e me forçava a abrir e fechar os olhos várias vezes para ter certeza
de que não estava delirando.
Depois de
algum tempo, passei a entender que as vozes estranhas e confusas eram
pensamentos alheios. Não tão alheios assim, já que eu conhecia a quem
pertenciam. Entendi que poderia ler a mente de todas as pessoas que possuíssem
um vínculo, afetivo ou não, comigo. E isso incluía um senhor, o velho porteiro
da universidade, o qual conversou comigo poucas vezes. Descobrir o que pensava
me fez não ser mais tão educada com ele, pois o velhinho fantasiava algumas
coisas comigo. Aparências enganam mesmo, podem acreditar!
Na primeira semana foi bem difícil
manter o controle e aparentar que nada de anormal acontecia. Quis me afastar de
todos que me cercavam, supondo que a proximidade física acionasse a habilidade,
mas foi inútil, afinal as pessoas, das quais eu poderia ler os pensamentos, já
faziam parte de mim e por mais que me afastasse nada desligaria a confusão da
minha cabeça. Ela sempre estaria ali. Sempre.
Alguns dias (e muitas dores de
cabeça) depois, consegui controlar um pouco meus poderes. Já conseguia bloquear
quase todos os pensamentos, mas isso era por pouco tempo, pelo menos até eu
dormir. O que já me ajudava bastante, mas lá pelas tantas da madrugada, durante
algumas semanas, eu acordava assustada com alguns pensamentos gritantes.
Quando vislumbrei o fim de meus
problemas, algo mais estranho aconteceu. Ainda não consigo descrever a sensação
que tive, de tão intensa, mas foi quase como se eu me sentisse aliviada, livre
de toda a dor e culpa. Livre de sentimentos. Como se me sentisse mais leve.
Lembro-me de tentar me apoiar na cama para sentar, pois tinha a impressão de
que o teto do quarto estava cada vez mais próximo, mas não conseguia. Olhando
para os lados não vi nada além das paredes, e foi quando percebi que estava
flutuando. Rapidamente olhei para baixo e vi a mim, dormindo um sono profundo e
tranquilo. Assustada quis gritar, mas não tinha voz. E desejei profundamente
que daquela vez tudo não passasse de um sonho. Infelizmente não era. E ali eu
estava, outra vez, tentando descobrir o que acontecia comigo. Não precisei de
muito tempo para compreender que além de ler as mentes de meus amigos, poderia
também sair do meu corpo e ir para onde quisesse sem ser notada. Que poderia
sair do meu corpo como alma,
espírito, essência, energia, ou seja lá qual o nome que se dá a tal
experiência.
Atravessar
paredes, “voar”, ler pensamentos... Isso seria um sonho para qualquer um, não
acha? Mas para mim foi um pesadelo. Demorei uns três meses para ter domínio de
meus poderes, e alguns anos para aperfeiçoá-los. Hoje consigo localizar uma
pessoa distante e posso até compartilhar minhas habilidades com alguém que não
possui nenhum dom, mas isso é assunto para outra história.
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